domingo, 17 de julho de 2016

VERSOS DE 11 SÍLABAS

NÃO FAZ MAL SABER...
Os poemas de 11 sílabas, têm uma particularidade: soam-nos num ritmo cantante. Vejam por exemplo muitos do poeta Guerra Junqueiro. E estou a recordar-me do REGRESSO AO LAR.Comprovem, por ele, essa toada tão bonita!
Regresso ao Lar
(poema de 11 sílabas)
Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh, a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida
canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas manso, muito manso...
tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!
Guerra Junqueiro, in 'Os Simples'

Ora, muitas vezes, um poema de 11 sílabas, consegue-se a partir de um de 5. (E inversamente, se quisermos colocar este de 11, de Guerra Junqueiro, todo a 5 sílabas, basta fazermos as separações, como mostro facilmente:
Ai, há quantos anos
que eu parti chorando
deste meu saudoso,
carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?...
Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama,
que me estás fitando,
canta-me cantigas
para me eu lembrar!... )
etc...)
Dir-me-ão: mas 5+5 são 10...
De facto são, mas com a junção dá as 11.
Claro que dependerá sempre de como termina o primeiro verso de 5. Mas muitas vezes consegue formar-se um de 11, juntando os dois de 5.
Vejam este meu, de 5, a formar mais abaixo um de 11. (É óbvio que, como são quintilhas, o último verso de cada estrofe vai permanecer com 5).

UM SEGREDO
(poema de 5 sílabas)
Lá no fim da praia
Deixei um segredo...
Fiquei de atalaia
À onda que espraia
E vai ao rochedo.
As ondas em espuma
Morriam na praia;
Lentas, uma a uma,
Suaves, nenhuma
era doutra laia.
E o meu segredo
Dormia em cambraia
Por trás do rochedo,
Sozinho, sem medo,
Escondido na praia...
Não contei às ondas
O segredo meu;
Não sabiam sondas
Nem luas redondas
Nem estrelas do céu;
Assim confiante
Sorri, vim embora;
Da praia distante
Por todo o instante
Recordo essa hora:
Uma enorme vaga
Por não lho contar,
Rompeu aziaga
Com ares de saga
Do fundo do mar!
Ruiu o rochedo
Na fúria da onda;
Não sei se em degredo
Estará meu segredo
- Não há quem responda...
Talvez sucumbisse
No acto-surpresa...
Talvez emergisse
Voasse, subisse
Mas é incerteza...
Na praia deserta
Às vezes caminho...
Vou à descoberta
Que o local liberta
De ti um carinho.

Joaquim Sustelo

Agora mudando para 11 sílabas:

UM SEGREDO

Lá no fim da praia deixei um segredo...
Fiquei de atalaia à onda que espraia
E vai ao rochedo.
As ondas em espuma morriam na praia;
Lentas, uma a uma, suaves, nenhuma
era doutra laia.
E o meu segredo dormia em cambraia
Por trás do rochedo, sozinho, sem medo,
Escondido na praia...
Não contei às ondas o segredo meu;
Não sabiam sondas nem luas redondas
Nem estrelas do céu;
Assim confiante, sorri, vim embora;
Da praia distante por todo o instante
Recordo essa hora:

Uma enorme vaga por não lho contar,
Rompeu aziaga com ares de saga
Do fundo do mar!
Ruiu o rochedo na fúria da onda;
Não sei se em degredo estará meu segredo
- Não há quem responda...
Talvez sucumbisse no acto-surpresa...
Talvez emergisse voasse, subisse
Mas é incerteza...
Na praia deserta às vezes caminho...
Vou à descoberta que o local liberta
De ti um carinho.

Joaquim Sustelo

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