UMA
COBRA
COM
PELOS
Naquele tempo- no tempo da minha infância e até da juventude-
a lenha era um bem muito importante, muito mais apreciado do que nos dias de
hoje, com o advento da eletricidade e do gás a trazerem novas possibilidades,
novas comodidades, à vida das pessoas.
A lenha era um bem importante para aquecer os fornos do pão,
tanto caseiros como industriais, para as lareiras onde se cozinhavam dia a dia os alimentos, aquecendo, em
simultâneo, as casas, enfim, para os maias diversos usos, mormente no campo.
As mulheres, regra geral,
trabalhavam em casa, embora, por vezes, isto é, durante as épocas de maior trabalho
nos campos, também tivessem essa tarefa acrescida, ajudando os maridos com
algum salário (embora pouco) ou trabalhando nas quintas de gente abastada ou em pequenas hortas arrendadas.
A mulher era quase exclusivamente
“a dona de casa” (com todas as tarefas que isso implicava) e a principal
responsável na criação e educação dos filhos.
Conheci, vivendo
no campo, muitas mulheres dignas de toda a admiração pelo excelente trabalho
produzido; no seu raio de ação, verdadeiras heroínas, e quantas vezes mal
tratadas pelos maridos, mormente quando estes voltavam para casa já “com um
grão na asa”.
(Vem isto um pouco a propósito da
“cobra com pelos” que titula esta minha crónica).
O senhor Manuel- um proprietário
da região- era dono de umas tapadas na encosta da Serra e sabia que as mulheres,
acompanhadas por vezes dos filhos, lhe iam lá buscar a lenha, como, aliás, iriam
a outros lados, certamente.
Cioso da sua propriedade, começou
a fazer constar que nas suas tapadas tinha visto uma enorme cobra velha que,
imaginem, já tinha pelos!!!
Ao tempo, no interior- década de
quarenta- o desconhecimento era muito e depressa se espalhou a notícia da
existência da tal obra com pelos, assustando mulheres e crianças.
O intento dele, como se está
mesmo a ver, era afastar as pessoas das suas terras, para que não lhe levassem
a lenha e ele a pudesse comercializar, já que tinha muita procura pelos motivos
que já aduzi.
Não se põe em causa o direito
de ele se defender (a propriedade era sua) mas aquela gente era muito pobre e
poderia ter sido encontrada uma solução menos assustadora. Claro que havia
pessoas que diziam não acreditar, mas… como diz o ditado, “ o medo é que guarda
a vinha”…
Ele livrou-se de um maior
assédio dessas pessoas necessitadas, que lá procurariam a desejada lenha em outras
propriedades onde a cobra não andaria, como se ela dali não pudesse sair!
Até que, num certo dia, um
pastor lá do sítio, numa conversa de taberna, pôs aquela gente- especialmente
mulheres e crianças- um pouco mais descansada, dizendo que era verdadeira a
existência da cobra, mas que ele a tinha matado e enterrado e que, portanto, já
não corriam qualquer perigo.
Parece que o senhor Manuel é
que não achou graça nenhuma e ameaçou o pastor, dizendo “alto e bom som” que
era mentira e perguntando:-
- Então, porque não trouxe a
cobra? Se era verdade, que a trouxesse.
Assim permaneceu a dúvida sobre quem falava a verdade e o medo
continuou por muito tempo, favorecendo o senhor Manuel.
Retalhos da vida que revelam,
por um lado a ignorância de uns e a esperteza de outros. Assim foi e assim há
de continuar a ser, enquanto houver mundo.
Quinta da Piedade, 10 de
outubro de 2013.
JGRBranquinho