sábado, 5 de março de 2016

UM QUADRO DE FEIRA



        
Cantavam meus amigos à desgarrada
Na feira de Sousel, alta madrugada,
Cantigas de escárnio e mal dizer.
Eram disputas alegres, bem avinhadas,
Nem sempre bem-intencionadas…
Mas dava certo gozo, ouvir e ver.

Improvisadas tabernas na feira
Onde se apanhava valente bebedeira
Depois de vendida a mercadoria.
Acabada, já de dia, a grande festa,
Meios tontos…vendem o que resta.
Pouco ganharam, mas… viva a folia!

Os vendedores (mais conhecidos por feirantes) eram homens bem-dispostos, aos quais o lucro parecia não lhes interessar muito, contando, prioritariamente, o prazer do convívio fora de portas, isto é, longe das suas terras, numa atitude um tanto boémia que, a mim, muito jovem ainda, me causava alguma estranheza, embora me divertisse e até aprendesse com eles nessas noites de alegre e intensa estúrdia. 
Alguns tinham mesmo as suas guitarras, violas e concertinas e disputavam acesamente o prémio do melhor intérprete, simbolizado por uma bandeira, que no ano seguinte  o vencedor trazia para a feira. Lembro-me de ouvir esta frase:- "Tens em tua casa a bandeira"-declarando o vencedor de cada ano. Havia, também, os que exibiam os seus dotes artísticos, tocando harmónica- a chamada gaita de beiços.
Não sei até que ponto ainda se mantém essa tradição na Feira de Sousel, em setembro.
Feira que era essencialmente relativa à compra e venda de gado- especialmente de belos muares (burros, machos, mulas e os elegantíssimos e bem treinados cavalos)- que os lavradores para ali traziam e que dava gosto ver, tal a quantidade e qualidade que apresentavam. 

 Obs.- Eu acompanhava meu saudoso pai (para minha enorme alegria) também a outras feiras no Alentejo, sempre que podia e mo permitiam os meus deveres escolares. 

Jamais esquecerei a característica azáfama alegre desses dias de autêntica festa, onde parecia que o essencial era as pessoas se divertirem. Tradições que se deveriam manter, não só pelos importantes aspetos do desenvolvimento do comércio, como por tantos outros aspetos positivos que delas emanavam culturalmente, proporcionando a convivência entre as pessoas e o conhecimento das próprias povoações, por vezes próximas, mas que sem esses eventos raramente aconteceriam, dadas as dificuldades de vária ordem de que sofriam as gentes dessas épocas, até aí por volta dos anos quarenta, cinquenta.
Belos quadros que me ficaram na memória, por serem diferentes e, naturalmente, do meu  imenso agrado.
 NOTA:-Este texto, embora aqui com ligeiras alterações, foi publicado no Jornal “NOTÍCIAS DE SOUSEL” em julho de 2013
JGRBranquinho

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