HÁ MUITO
TEMPO NO INTERIOR
Conheceram-se
ainda jovens:- ela, com 14 anos, ele, com 16. Foi num lugar do interior,
distante da próxima cidade - cerca de uma légua - num tempo de dificuldades de
acesso por uma única estrada estreita e esburacada em macadame ou por veredas
sinuosas pela Serra, o que fazia parecer maior a distância entre o lugar e a
cidade.
O transporte era feito em carroças ou em animais de sela, na maior parte
das vezes em burros, não havendo, ao tempo, ainda, transportes públicos.
Alguns (poucos) tinham o privilégio de possuir uma bicicleta, o que lhes
dava um certo estatuto no meio, permitindo-lhes uma maior e melhor mobilidade
de fazer inveja a quantos a não podia ter.
O trabalho era na grande maioria feito em hortas e campos bem cultivados, com riquíssimos soutos e pomares comprados por negociantes (que mandavam seus frutos para os mercados abastecedores de Lisboa, Porto e frutarias de cidades e vilas alentejanas) a par dos almocreves que vendiam os seus frutos em mercados e feiras da região, transportando-os em carroças.
Quanto a profissões:- carpinteiros, serralheiros, sapateiros,
canastreiros (em grande número) pedreiros, ferradores, serradores e barbeiros no
que toca a homens.
No lado feminino, havia algumas costureiras
muito hábeis, deveras úteis no lugar, pois também faziam um bom trabalho pedagógico,
ensinando jovens raparigas.
Neste lugar - Monte Carvalho - havia uma escola com duas salas:- uma para cada género
Os rapazes e raparigas que não continuavam os estudos para além da 4.ª classe, ou iam
para o trabalho no campo ajudando os pais, prestando serviço em propriedades de
alguns proprietários ou iam para a cidade trabalhar nas fábricas (lanifícios e
cortiça) ou em lojas de comércio variado, restaurantes, cafés e tabernas na cidade de Portalegre.
Os vencimentos não seriam os ideais mas estavam mais ou menos ao nível do que era aceitável na época.
Certo, é que havia trabalho. Havia vida ativa, vida vivida!
A par destas atividades, dado estarmos numa zona fronteiriça, havia
também o contrabando, tanto por parte de homens como de mulheres.
Era um meio com uma área relativamente grande, com bastante água e
belíssimas hortas, que aproveitavam também os benefícios da bonita ribeira que vinha da Serra de S. Mamede. Havia também três fontes, não tendo ainda o precioso líquido
canalizado para as casas. Era quase uma constante a ida às fontes,
especialmente pelas crianças e mães com cântaros de barro, que davam à água um
sabor muito agradável e a tornavam mais fresca, havendo em todas as cozinhas o
célebre poial dos cântaros.
Ai que saudades da fresca água dos cântaros de barro! Na verdade, um sabor único e refrescante que jamais pude sentir em qualquer outra parte.
Pode-se dizer que havendo estas condições tudo estava resolvido para o
bem-estar das pessoas, que, não tendo grandes ambições, se iam contentando com
o seu dia a dia, trabalhando ali muito próximas dos seus familiares e amigos, o
que era, na verdade, uma situação de um certo conforto.
Havia, naturalmente, as célebres tabernas, algumas juntamente com mercearia,
locais de convívio e compras de alguns artigos, sem necessidade de tantas idas
à cidade, e lá se ia vivendo.
(VOLTEMOS
AOS DOIS JOVENS NAMORADOS)
Foi ali um
fortuito encontro numa bela tarde de outono, que modificou de certo modo as
suas vidas, para sempre. Namoraram durante cerca de três anos, com alguns
percalços de permeio, mas com toda a veemência da sua juventude, e foram
felizes tanto quanto podiam ser nas condições de vida que ao tempo desfrutavam,
atrevendo-se, mesmo, a irem além do que era norma ao tempo, mais agravado,
ainda nesse meio do interior, onde muito conservadorismo grassava.
Por obra do
Destino ou fosse lá por que fosse (mas a que não foram alheios alguns familiares) deu-se o afastamento desses dois jovens
namorados, que tanto se queriam. Estranhamente, nunca se zangaram, e em outros
escritos meus, já dei mais pormenores desta singular situação que muito de
perto conheci e foi motivo de estupefação no lugar e até na cidade. Sei que as
coisas não ficaram bem resolvidas, dando depois aso a situações algo
complicadas que só acabarão, possivelmente, com a vinda da (tal “senhora”cuja
visita todos temos como certa) pois os jovens de que vos falo, pelo que sei, lá se foram conformando, mantendo, no entanto uma boa amizade.
Neste lugar, como em todos os outros do interior do País, o tempo foi
passando e as coisas, embora muito lentamente, foram-se alterando, com muito
poucos a duvidarem do sucesso que isso constituiria. Mas, o que parecia na
altura um progresso, uma mudança ideal, não o foi de todo, como facilmente hoje
se conclui pelo quase total abandono das terras de cultivo, por razões da mais diversa ordem, mas que muito têm a ver com
políticas erradas que alteraram quase por completo a vida naquele e muitos
outros meios do interior do nosso País, o que, aliás, julgo não ser nenhuma
novidade para muitos dos que me lerem.
Eis, em síntese, algo do que vivi e conheci na década de quarenta do
passado século, no meu Monte Carvalho, freguesia de Ribeira de Nisa, concelho de Portalegre, em pleno Norte Alentejano.
JGRBranquinho