A PROPÓSITO DA RAIVA, CONTARAM-ME ESTE CASO
Naquele tempo, a raiva assumia, verdadeiramente, um perigo
real que trazia assustada toda a gente.
Estávamos em pleno século XIX e aconteciam ainda muitos
casos nos meios mais desprotegidos do interior, especialmente nos campos, onde
havia maior quantidade de animais, desde os domésticos aos denominados
selvagens.
Foi no ano de 1885, que Louis Pasteur descobriu a vacina, através de
experiências com coelhos (após várias tentativas infrutíferas de cura por parte de outros,
como a cauterização das feridas provocadas pela mordedura de animais- como
lobos e cães- feita com ácidos e por ferro em brasa, sendo a morte certa.
Este grande cientista- a quem a humanidade tanto deve- foi recebido
na Academia Francesa por Ernest Renan, naquele mesmo ano de 1885 e justamente felicitado pelo importante passo que foi a
vacina anti-rábica.
Claro que demorou a ser conhecida e aplicada esta milagrosa
vacina e continuaram a morrer pessoas, pois, só após as manifestações da
doença- também designada de hidrofobia- se sabia que um animal estava raivoso.
Vem isto a propósito dum caso passado numa aldeia do
interior do nosso País, de que tive conhecimento e aqui vos deixo.
Um certo lavrador da região, montado num dos seus cavalos de
maior confiança, dirigia-se para a cidade por um caminho ainda muito rudimentar-
uma azinhaga como eram ao tempo, quase todos- mal permitindo a passagem de uma simples
carroça, servindo quase exclusivamente para passagem de animais e pessoas a pé
ou a cavalo.
Temia-se, verdadeiramente, o flagelo da raiva e havia muitos casos, todos eles
fatais.
Como era hábito, o cão do lavrador acompanhava-o atrás do
cavalo por algum tempo. Nesse dia foi até à fonte onde o cavalo tinha por
hábito matar a sede, descendo-se o lavrador para lhe aliviar o freio, e com o cão
sempre por perto.
Voltou a montar, continuando o seu caminho, mas o cão
continuava a segui-lo e ladrava de um modo desusado, saltando à frente do
cavalo, parecendo querer atacá-lo.
O lavrador, estranhando a atitude do animal e lembrando-se
do problema da raiva, já muito assustado e, receando que o cavalo fosse
mordido, bem se lhe dirigia, tentando acalmá-lo, instigando-o para que voltasse
para casa, mas ele continuava com tal agressividade, que o dono resolveu puxar
da pistola e disparar na sua direção, atingindo-o.
O lavrador, ao chegar
à cidade, precisando de pagar um imposto nas Finanças, deu pela falta da
carteira. Sabendo bem que a tinha trazido de casa, lembrou-se de voltar atrás,
procurando-a ao longo do caminho, até que chegou à fonte onde se apeara para
dar de beber ao cavalo.
É então que se lhe depara um quadro bem preocupante, num
misto de alegria e tristeza:- o cão estava ferido, gemendo, mas deitado sobre a
carteira!
O homem sentiu um enorme arrepio e correu para o cão,
percebendo, então, a razão da atitude do animal, aquando da ida para a cidade.
Tinha sido apenas um tiro de raspão, felizmente. Agarrou o animal, afagou-o e
correu a tratá-lo no ferrador da aldeia, como era habitual naquela época, dado
não haver por ali nenhum veterinário.
Veja-se como o receio da raiva poderia ter levado à morte de
um pobre cão, que mais não pretendia do que avisar o dono da perda da carteira.
Quantos animais não teriam sido abatidos por desconhecimento
de causa, em outros momentos, dada a perigosidade da doença mortal, que era a
raiva.
A descoberta da vacina permitiu fazer-se a prevenção desta
doença, que era e é verdadeiramente assustadora, pois os animais selvagens não
sendo vacinados, podem ainda contraí-la e transmiti-la aos domésticos e até aos humanos, direta ou indiretamente.
Ao escrever este apontamento, lembro-me do terror que era
para nós esta doença, nos tempos da minha juventude, receando que,
especialmente os cães (nos gatos também podia aparecer) não tivessem sido vacinados por incúria dos donos.
Hoje, entre nós, felizmente, graças à maravilhosa descoberta
de Pasteur, já pouco se fala desta doença, embora ainda subsista o perigo.
Como se costuma dizer:- todo o cuidado é pouco e mais vale
prevenir que remediar, sendo- como é- a vacina, há muito, obrigatória.
A minha singela homenagem a LOUIS PASTEUR, sabendo que é partilhada por todos os que lerem este meu breve apontamento.
Quanto devemos aos grandes cientistas de outra eras! É bom que- a par da ação da Escola- os lembremos sempre e os demos a conhecer, como é o caso deste, e estando, igualmente, sempre atentos ao contínuo desenvolvimento da Ciência, apoiando todos os que dedicam grande parte das suas vidas no sentido do bem da sociedade atual e futura, com novas descobertas.
Quinta da Piedade, 18 de agosto de 2013
JGRBranquinho