quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

PASSADOS MUITOS SOIS, MUITAS LUAS









PASSADOS  MUITOS  SOIS,  MUITAS LUAS

Passados muitos sois, muitas luas, sobre a existência de uma pessoa que viveu sempre um pouco só na vida- por uma questão de feitio ou pelo facto de não ter uma família bem estruturada- chega o dia em que acorda para essa realidade!
Então…  (ele que até ali andou um tanto distraído...) começa a fazer a sua própria introspeção, sentindo que as suas vivências em isolamento quase nada lhe trouxeram de positivo.
Fala consigo mesmo, interroga-se sobre se aquele “modus vivendi” lhe interessa ainda, e se é capaz de o mudar de uma vez por todas, face à desilusão constatada ao fim de tantos anos a isolar-se.
Lia muito, fechava-se em si mesmo e julgava que assim podia ser feliz.  
 Pura ilusão! (Cada um de nós não pode ser uma ilha!...)
Lia, mas não escrevia! Não se abria aos outros, ocultando no íntimo todos os seus sentimentos, que temia revelar. Isto é, não confiava aos outros as suas dores de alma, os seus apertos de coração, julgando trair-se a si mesmo e receando, até, vir a ser criticado.
Como se fosse possível alguém bastar-se a si próprio, desprezando o viver como ser social, integrando a vida da comunidade a que pertence!
Certo dia- depois de muitas hesitações e após ter feito uma viagem pelo País, integrado numa excursão- ficou mais perto de alguém, sentindo-se- desde logo- atraído por esse mesmo alguém com quem durante a viagem foi travando conhecimento.
Pegou numa caneta e escreveu, escreveu, enchendo duas folhas A4! Escreveu sem preocupações de maior, deixou correr a pena ao sabor duma repentina vontade- até de algumas palavras sem nexo- como que fazendo a catarse de tantos impulsos contidos durante anos.
Leu, e no momento, riu-se de si próprio!
 – Mas o que é isto? O que estou eu a fazer? Para que escrevi? Porque escrevi?! O que foi que me deu?!
Não tinha a noção exata daquela repentina mudança! Guardou as folhas numa gaveta e saiu, não se apercebendo que aquele ato era o início duma nova conduta que lhe poderia vir a proporcionar uma vida melhor.
Ao voltar a casa teve curiosidade de ir reler o que tinha escrito e, então, ainda lhe pareceu mais absurdo!
Cruzara-se com poucos vizinhos (continuava a olhá-los algo distante...) e parecia que tudo tinha sido um fogacho que depressa se extinguiria.
Ao deitar-se, permaneceu algum tempo acordado- mais do que o habitual- e sentia que algo de estranho se estava a passar consigo, fervilhando-lhe no cérebro ideias contraditórias que o estavam a incomodar e não lhe permitiam que dormisse. Veio-lhe à memória o tempo passado- muito diferente- em que vivia fechado sobre si mesmo, mas isso também não lhe agradava agora. Travava uma luta entre o que tinha sido e o que estava agora a começar a descobrir, surgindo-lhe frequentemente a imagem da senhora que conhecera na excursão.Ela não morava ali no seu lugar e teria que arranjar coragem para ir procurá-la à cidade, custasse o que custasse.
Na manhã seguinte era dia de mercado e aproveitaria esse facto para se deslocar lá, na mira de a encontrar.
Lá foi e por sorte logo a descobriu na praça. Cumprimentou-a, falaram, recordaram com agrado as melhores peripécias da excursão e não tiveram qualquer dificuldade em aprazar um novo encontro já que ambos estavam livres- ela viúva, sem filhos, e ele solteirão- ambos já próximos da fase da vida chamada ternura dos quarenta.
Voltou para casa ainda mais entusiasmado, parecendo ter descoberto um mundo novo, afinal ali tão próximo.
Criticou-se duramente e lamentou não ter mudado a sua conduta há mais tempo.
Afinal, a excursão- onde por insistência de alguns vizinhos fora quase forçado a participar- dera azo ao conhecimento daquela mulher, que agora lhe preenchia o pensamento e o fazia ver a vida sob outro prisma bem mais agradável.
Complexado e muito só durante tantos anos- por opção e teimosia doentia-  via agora quanto perdera.
Os dias foram decorrendo e cada um que passava era mais um passo na descoberta duma outra vida em sociedade, notada, já, pela vizinhança, que se interrogava sobre as razões de tal mudança.
Estava uma outra pessoa:- um ser sociável, afável, participativo, surpreendendo todos!
Aos poucos, foi-se desvendando o mistério, não só pela diferente atitude do nosso homem perante as pessoas, mas porque não tardou saber-se da ligação àquela mulher da excursão.
Diz-se na gíria que "o amor é cego... os outros é que vêem tudo"... e era voz corrente que já muitos, ali do lugar , se tinham apercebido da relação dele com a mulher da cidade.
Resumindo:- Num certo dia, o homem da nossa história saiu de casa com a sua nova companheira, sem qualquer embaraço, sorridente e comunicativo, causando, mesmo assim, alguma perplexidade, pois só agora- perante alguns que talvez ainda não soubessem e até para os que diziam saber do caso- se confirmava a nova situação de vida dum homem que vivera tantos anos longe da realidade desejável numa sociedade do nosso tempo, integrando-a em absoluto.
Pode agora dizer-se que um dia tinha que acontecer esta mudança, mas, de concreto, o que sabemos é que foi mercê da ida à excursão que ela se deu, conhecendo a mulher que havia de vir a ser a sua companheira  para toda a vida.
(Dizia-se que era seu propósito perfilharem uma criança, o que veio a acontecer tempos mais tarde, devido às costumadas burocracias...)
Asseguro-vos que tiveram uma vida boa sob todos os aspetos e, nas estações mais agradáveis para o efeito, lá surgia uma excursãozita para desanuviar um pouco, conhecendo melhor o País e recordando com alegria a razão primeira para que se conhecessem:- a tal excursão de boa memória para ambos.

Quinta da Piedade, 19 de fevereiro de 2014 
JGRBranquinho

1 comentário:

  1. Vim aqui há pouco tempo ler as tuas belíssimas quadras deixei comentário, mas não aparece, será que não procedo em condições?!
    Para que saibas estimado amigo que venho lendo com muito prazer pois de certo modo o teu sentir se assemelha ao meu, a saudade o amor às raízes, o tempo que voa está tudo em nós como a melodia dum rio que vai correndo. Amei agora de quando em quando aqui me tens. Abraço-te

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