Doente
Quando o meu corpo, já sem vida,
inerme
Lançado for à podridão do verme,
- Se ele é verme também, e o verme é
pó-
-Porque de todo o meu olhar eu cerre,
Pede, pede ao coveiro que me enterre
Na cova mais humilde, ó minha avó!
Escrevo e choro; dói-me a alma; tenho
febre
Não sei a quantos graus- calor
insuportável;
- Moderno Lázaro- ó que vida
miserável
Eu vivo aqui, doente e só, no meu casebre.
Agora compreendo a dor de não ter lar
E a dor de viver só- desventura
tamanha!
É ser mais triste do que os cardos da
montanha,
As urzes do caminho e as noites sem
luar…
Meus tempos de criança! E fui fadado
assim!
A minha mocidade é como que um
deserto;
Não creio que haja alguém que possa
amar-me, enfim
E Deus, se Deus existe, odeia-me
decerto…
Confesso que estou pronto, e, se me
vejo ao espelho,
Descerra-se-me a boca em risos de desdém…
Imagem do que fui, - eu nunca fui
ninguém-,
E , ó má fatalidade, encontro-me hoje
um velho.
Cavou-me a Dor na face as rugas do
desgosto,
Meus olhos de chorar vão-se tornando
cegos,
E quando os chamo, a ver aquilo que
dá gosto,
Escondem-se na treva assim como
morcegos.
Dilui-se-me o pulmão e sai-me pela
guela
À força de tossir bastante enrouquecida,
E se inda vivo assim é porque a minha
vida,
Amarga como é não posso dispor dela.
Porque a verdade é esta: a vida que
se arrasta
Do nada até à flor, do verme até a
pedra,
É sempre a mesma vida incómoda,
nefasta…
Que a dor do Universo em toda a parte
medra.
Assim, talvez um dia eu, que prefiro
a Lua
A tudo quanto é bom, a tudo quanto é
são,
Me torne por destino em pedra duma
rua,
Que a multidão acalque, a doida
multidão.
Talvez eu venha a ser a flor dum cemitério.
E estrela do Azul, a areia do Oceano;
A Vida não tem fim como o destino
humano,
E se o Não-ser é tudo, o Nada é um
mistério.
E eu que era, noutro tempo, enérgico,
robusto,
Quando no meu jardim floriam as roseiras,
Padeço horrivelmente, já respiro a
custo,
E a minha tosse lembra a reza das
caveiras…
Quem sabe lá! Talvez nas grutas do
meu ser
A Morte agora esteja abrindo algum
jazigo…
E os vermes por desgraça escutem o
que eu digo,
Vivendo dentro de mim sem eu os perceber.
Que negro mal o meu! Estou cada vez
mais rouco!
Fogem de mim com asco as virgens d’olhar
cálido
E os velhos, quando passo, vendo-me
tão pálido
Comentam entre si:- coitado, está por
pouco!...
Por isso tenho ódio a quem a quem
tiver saúde,
Por isso tenho raiva a quem viver
ditoso,
E, odiando toda a gente, eu amo o
tuberculoso,
E só estou contente ouvindo um
alaúde.
Cada vez que me estudo encontro-me
diferente,
Quando olham para mim é certo que
estremeço;
E vai daí, pensando bem, sou, como
toda a gente,
O contrário, talvez, daquilo que
pareço…
Espírito irrequieto, fantasia
ardente,
Adoro como POE as doidas criações,
E se não bebo absinto é porque estou
doente,
Que eu tenho como ele horror às
multidões.
E amando doidamente as formas
incompletas
Que às vezes não consigo, enfim,
realizar,
Eu sinto-me banal ao pé dos mais
poetas,
E achando-me incapaz, deixo de
trabalhar.
São filhos do meu tédio e duma dor
qualquer
Meus sonhos de nevrose horrivelmente
histéricos
Como as larvas ruins dos corpos
cadavéricos,
Ou como a aspiração de Charles Beaudelaire.
Apraz-me o simbolismo ingénito das
coisas…
E aos lábios da mulher, a desfazer-se
em beijos,
Prefiro os lábios maus das negregadas
loisas,
Abrindo num ansiar de mórbidos desejos.
E é em vão que medito e é em vão que
sonho!
Meu coração morreu, minha alma é
quase morta…
Já sinto emurchecer no cancro a flor
do Sonho,
E oiço a Morte bater, sinistra, à
minha porta.
Estou farto de sofrer, o sofrimento
cansa,
E por maior desgraça e por maior
tormento,
Chego a julgar que tenho- estúpida
lembrança-
Uma alma de poeta e um pouco de
talento!
A doença que me mata é moral e física!
De que me serve a mim agora ter esperanças,
Se eu não posso beijar as trémulas
crianças,
Porque ao meu lábio aflui o tóxico da
tísica?
E morro, morro assim tão novo! Ainda não
há um mês,
Perguntei ao doutor:- Então?...- Hei
de curá-lo…
Porém já não me importo, é bom
morrer, deixá-lo!
Que morrer… é dormir… dormir… sonhar
talvez…
Por isso irei sonhar debaixo dum cipreste
Alheio à sedução dos ideais perversos…
O poeta nunca morre embora seja
agreste
A sua aspiração e tristes os seus
versos!
José Duro
NOTA:- Colocando aqui os seus versos (de
um período já muito mau da sua vida) presto-lhe deste modo a minha singela
homenagem.
Quinta da Piedade, 28 de dezembro de
2014
JGRBranquinho