segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O SENHOR ANTÓNIO















O SENHOR ANTÓNIO
Hoje, ao acordar, senti que queria e podia escrever.
Ocorreram-me vários episódios da minha vida (uns mais engraçados que outros) e escolhi contar-vos o que passo a deixar nesta folha em branco do meu caderno.
Era a época da colheita dos pomares, na minha aldeia - Monte Carvalho-Ribeira de Nisa – Portalegre.
Meu pai contratou então, como carroceiro, um homem de cerca de quarenta anos - o senhor António - num lugar dali distante cerca de dez léguas.
Era uma boa alma e um competente tratador de animais, como nunca tivemos!
Tínhamos duas mulas, um macho e um burro e logo que entrou ao serviço, deu nas vistas pela forma afetuosa como lidava com os animais, muito apreciada por nós e, inclusive, pelos nossos vizinhos.
A fonte pública ficava a uns bons trezentos metros da cavalariça. Era preciso atravessar o largo da aldeia, e o nosso António, aos poucos, começou a levar os animais, sem cabresto, deixando-os segui-lo soltos, sem se importar que fugissem por instantes, o que de início causou alguma estupefação nos habitantes do meu sítio.
Atribuiu-lhes nomes e o que é verdade, é que lhe obedeciam!
Era um gosto ver como os tratava.
Vivia em nossa casa e depressa conquistou a nossa simpatia e amizade.
Tínhamos mulheres que trabalhavam para nós, especialmente na altura das colheitas, e o nosso amigo António (solteirão) apaixonou-se por uma delas - a Isabel, a quem ele chamava “Zabela”- uma alegre rapariga da minha aldeia.
Na altura da Feira das Cerejas, em junho, o António lembrou-se de oferecer uma prenda à Isabel, e consultou minha mãe.
Foi à feira e, logo que chegou a casa, veio mostrar a prenda.
Minha mãe, perante o objeto (que ele considerava uma chávena) conteve-se um pouco e, de imediato, lhe sugeriu que tinha de ir trocá-lo, pois mais não era do que um peniquinho florido.
Minha mãe, então, ofereceu-se para tentar ir trocá-lo, trazendo-lhe agora, sim, uma chávena, tal como ela lhe tinha indicado como prenda apropriada.
O problema ficou assim resolvido e o mosso solteirão lá deu a prenda à “Zabela”, que a aceitou, compreendendo a situação do seu admirador.
Volvidos anos, voltou à sua terra e o casamento nunca chegou a realizar-se.
Devo esclarecer que o António nunca frequentou a escola e não era muito dotado intelectualmente, embora cumprindo bem as funções que lhe estavam atribuídas.
Deixo-vos este curioso episódio, lamentando que o casório não se tivesse efetivado, e lembrando alguém a quem nos ligaram laços de muita amizade e gratidão.
Que lá onde esteja, saiba que nunca o esqueci .
Que sua alma repouse em paz.
Quinta da Piedade, 21/01/19
JGRBranquinho



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