segunda-feira, 22 de julho de 2013

IN VINO VERITAS



Resultado de imagem para Pedreiros trabalhando na construção de casas de antigamenteIN  VINO  VERITAS


Conheci-o- o João- teria ele cerca de trinta anos bem puxados, pois, pelo seu aspeto, parecia até um pouco mais velho.
Era um humilde pedreiro, um tanto tímido (mesmo de muito poucas falas) simpático e bondoso, que, após a morte de seus pais, vivia em casa de uma irmã- Maria de Jesus- senhora bem na vida e que era a minha madrinha-embora eu nunca fosse batizado e tivesse que o fazer já na vida militar, por vontade própria, na Igreja de S.ta Cruz em Coimbra.

O amigo João trabalhava “de sol a sol” na difícil arte de pedreiro, na altura muito mal remunerada.
Nunca casou e ali vivia no meu sítio, aboletado em casa da irmã, acomodado às circunstâncias da vida, já que as perspetivas não eram muito animadoras para que viesse a constituir um lar.
Como ia dizendo, era “um paz d’alma” que só tinha amigos, sendo muito considerado pela lhaneza do trato e pela pronta colaboração que dava se lhe era solicitada pelos vizinhos, especialmente no seu ofício de pedreiro.
Por falta de trabalho na região, chegou a ir para Espanha- ali perto, se fôssemos por veredas e atalhos. Creio mesmo que, como faziam os contrabandistas (bem conhecedores da zona) ele se deslocava também a pé. Estava por lá, temporadas a fio, isto é, enquanto duravam as obras. Voltava à terra e por ali permanecia, com trabalho ou não.
Por muito falar de Espanha e do governo franquista, começou a ser apelidado de João Franco, que aceitou de bom grado. E era, dali em diante, para todos, o João Franco e, por vezes, o Franco.
Com o decorrer dos anos começou a “meter-se nos copos”, muito por (não tendo que fazer) ter mais à mão as tabernas frequentadas por homens mais velhos e outros, como ele, sem trabalho, infelizmente. Eram tempos muito difíceis, agravados por carências a todos os níveis, tendo como único ponto de encontro e distração, aquelas tascas ainda que muito rudimentares, à época.

Quem bebe um copo, bebe dois, três ou mais, isto numa cadência diária com a companhia dos do costume e, é aí que a coisa começa a descambar!
Havia o mau hábito de enquanto cada um “não pagava uma data”, dali não arrancavam. Era de homem, aquela atitude, ao tempo. Aquele que o não fizesse- ai! ai!- caíam-lhe em cima, e era afastado do grupo.
Claro que um hábito muito vezes repetido... aos poucos torna-se vício e, sem darem por isso, tornavam-se alcoólicos, com a agravante de pouco comerem e assim terem menor resistência à bebida.
Ora o nosso homem- o João Franco- debaixo do efeito dos copos, começou a revelar uma faceta até ali desconhecida:- O vinho ( in vino veritas) soltava-lhe a língua e então era ouvir do bom e do bonito, especialmente ao fim do dia e já noite dentro.

Referências muito pouco abonatórias a pessoas do lugar, que com o tempo se foram habituando e lhe perdoavam, pois aos primeiros insultos, ainda o chamaram à ordem, mas, sem remédio. Alegava que não se recordava de nada e, volta e meia, debaixo do efeito da bebedeira, lá vinha a “ladainha” do costume.
Minha madrinha- aborrecida e envergonhada- nas noites em que eu estava na aldeia, pedia-me que o fosse deitar, e lá ia eu (a quem ele chamava “compadre Zé”) metê-lo na cama, tendo até que o descalçar. Eu tinha treze ou catorze anos, mas ele respeitava-me, no momento.
Pior é que, por vezes se levantava, e vinha para a porta “discursar” como era seu hábito, até que lhe desse o sono e também por falta de assistência, por certo, visto que já toda a gente dormia. No entanto, ainda algumas vezes tive que me levantar e dar-lhe um ralhete para ir para a cama.
No dia seguinte era com se nada se tivesse passado! Ele ouvia, ouvia o que eu e outras pessoas de família lhe diziam, alegando que não se lembrava de nada.
Foi assim até à sua morte, que ocorreu numa altura em que eu estava de férias. Tive, assim, ocasião de acompanhar à última morada o meu “compadre” João Franco, aquele a quem dei algum apoio nas suas diatribes. Ficou na história da sua e minha aldeia.
Que descanse em paz!
Quinta da Piedade, 19 de julho de 2013
JGRBranquinho


Nota:- Este texto é apenas uma síntese da vida boémia de um pobre homem que usava uma linguagem repleta de termos- no nosso meio tolerados e até achando-lhe graça e

que depois passaram a caraterizá-lo como alcunha (lá dizia-se "anexim"...)-  mas provocando-lhe dissabores, perante desconhecidos, ou se estava em terra alheia.
Tinha eu, aí, ainda "muito pano para mangas", mas por hoje já chega.
JGRBranquinho

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