UM ARTISTA -- O MEU AMIGO JOAQUIM

            UM  ARTISTA- O MEU  AMIGO  JOAQUIM

Um toque mais forte aqui, um retoque ali, o Joaquim lá ia procurando desbastar aquele enorme pedregulho, ainda informe, à procura de descobrir para que serviria, isto é, qual o melhor aproveitamento a dar-lhe.

Face encostada à mão esquerda (por momentos breves) mirava e remirava o granito à medida que avançava naquela tarefa a que se propusera por iniciativa própria, numa manhã em que ao acordar tivera a lembrança de deitar mãos ao trabalho, sem nenhum fim específico, confiando que a cada momento lhe havia de surgir a forma a dar àquele pedaço disforme de pedra que desenterrara nas traseiras de sua casa.

Descansava um pouco, olhava a pedra bruta, tentava descortinar qual o objeto que poderia surgir daquela pedra dura e difícil de trabalhar, como é o granito, e lá ia cortando e recortando, na esperança de lhe surgir a mais apropriada forma a cinzelar, finalmente.

Seria um rosto de homem, de mulher, uma cabeça de cavalo, quem sabe se um brazão (ainda que rudimentar?…) lembrando-se dos que via em prédios apalaçados na sua cidade natal.

Continuava o seu difícil trabalho, descansando de quando em vez, e… repentinamente… parou! Observou a pedra de vários ângulos na tentativa de descobrir, finalmente, a maneira melhor de a aproveitar. Observou, pensou, refletiu por mais uns instantes e, sem ninguém por perto, gritou:- Eureka! Eureka! Já descobri!

(O nosso Joaquim andava na Escola Industrial, na cidade, a cerca de uma légua, frequentando o curso de serralharia mecânica, embora algo contrariado, mas lá ia andando, mais por vontade dos pais).

Sempre tivera a paixão pelos barcos e naquele momento decidiu continuar. Era um barco- um barco que nunca poderia navegar, sendo de pedra…

Isso não o intimidou e decidiu continuar, conformando-se, desde logo, por assim poder ter sempre por perto e segura, essa sua criação, que depois havia de decorar a preceito.

Logo se veria onde a colocar, de acordo com seus pais, que estavam fora, e que, certamente, não se oporiam, mormente por ser uma obra- e sabe-se com isso é importante na vida das famílias- de arte saída das mãos de um filho, que nunca tinha aprendido, sendo um autodidata.

Entusiasmado, e agora já um pouco receoso, lá continuou a esculpir a pedra com as ferramentas rudimentares de que dispunha e que não eram mais do que as de seu pai, enquanto pedreiro- que depois se tornou mestre-de-obras- mas as guardava naquele barracão anexo à casa que habitavam na quinta herdada dos avós.

No dia seguinte, as ferramentas precisavam ser reparadas e, estando apenas na companhia da avó materna, montou no macho- “ O carocho”- foi à cidade ter com o ferreiro- o senhor João- dizendo que o pai o incumbira dessa tarefa.

Retocadas na forja, ficaram como novas e lá voltou para casa, ainda com os pais ausentes em Lisboa, onde teriam ido em viagem de negócios ligados à construção.

Continuou então a sua escultura no barracão e estava verdadeiramente entusiasmado, pois a avó nem se apercebera do que ele estaria a fazer.

Estava a sair-se bem e cada vez gostava mais do trabalho. Agora era preciso um maior cuidado, chegado que foi àquele ponto, onde cada toque mal dado num material tão rijo, poderia ser a “morte do artista”!...

Ao quinto dia tinha a sua obra quase pronta e chamou a avó, que, vendo mal, lhe perguntou o que estava a fazer. Lá lhe explicou, pedindo que guardasse segredo. Queria fazer essa surpresa aos pais.

A peça era pesada e não se atrevia a movê-la dali, até porque tinha que ter a opinião deles sobre o local onde a colocar, confiando, claro, que a aprovariam.

Hesitava sobre se a deixaria assim ou se a decoraria, procurando imagens de barcos que tinha visto em revistas. Talvez fosse melhor esperar, para ouvir a opinião dos progenitores.

Assim decidiu e aguardou pela sua chegada. Foi uma alegria para ele e para seus pais e avó, orgulhosos que estavam pelo excelente aproveitamento de tempo, revelado naquela escultura que o filho e neto lhes acabava de oferecer.

Escolhido o lugar na casa- hall de entrada- lá ficou a obra, orgulho de toda a família.

Nunca foi pintada por vontade concertada de todos.

Ainda hoje assim é, pois as obras do Joaquim ficam sempre no tom original. Há dias tive oportunidade de o ver a completar um brazão.

Assim se fez um artista, que, como muitos outros, não pode viver exclusivamente da sua arte, mas resiste, dedicando-lhe algum do seu tempo.

Força, Joaquim! Continuamos- todos os que te conhecem e admiram- à espera de novos trabalhos. És um artista!

O meu abraço de parabéns.

Quinta da Piedade, 25 de julho de 2013

JGRBranquinho