SOBRE UMA RELAÇÃO CURIOSA
Escrevo hoje sobre a minha relação com os alegres e ligeiros
passarinhos.
Não sei explicar esta proximidade, mas, que ela existe, é
uma verdade.
Em pequeno- ainda muito novo- desejava que eles
compreendessem que não lhes queria fazer mal algum e, por isso, me viessem à
mão para que eu os afagasse um pouco, que depois os soltaria.
Vejam bem esta ingenuidade, filha de um enorme desejo de os
ter, ainda que só por uns breves momentos!
Com o decorrer dos anos, fui compreendendo que tal não seria
possível e continuei a admirá-los, tanto mais que, vivendo no campo, tinha essa
possibilidade bem mais próxima.
Nunca tirei um ninho! Gostava de ver a arte de cada um ao
fazê-los- uns mais artísticos que outros- e não os estragava. Acontecia que
alguns não gostavam que estivesse por perto, chegando a enjeitar os ninhos (era
assim que se dizia) e irem fazê-los noutro lugar mais seguro para eles.
A Natureza é o seu habitat amigo, e eles bem a alegram, especialmente no começo do tempo bom, ainda um pouco antes da Primavera
propriamente dita, com os seus cânticos alegres. Um prazer escutá-los e vê-los, principalmente na fase de namoro, a procurarem
companheira, cantando, então, ainda melhor, como acontece e acontecerá sempre, evidentemente, com os melros, rouxinois, pintassilgos e outros desta espécie, também exímios cantores.
Que belas orquestras! Quem os ensinou?! Eu admiro-os e por favor (não só pelos seus cantares, pois são muito úteis a todos nós, limpando a Natureza) protejam-nos, respeitem-nos, nunca os maltratem.
Voltando à minha relação com eles.
Certo dia, na minha anterior casa, quando chego à cozinha,
vejo um “fisher” lindíssimo- qual papagaio pequeno- que teria, certamente,
fugido de alguma gaiola, já que esta espécie não é própria da nossa área
geográfica e não estaria a viver em liberdade.
Corro a buscar uma toalha e logo que se pousou no chão,
tapei-o e lá o consegui apanhar.
Tinha uma velhinha e pequenina gaiola e lá a fui buscar para
remediar, até ir comprar uma muito maior.
Tive-o durante anos e acompanhava-me para onde quer que eu
fosse (especialmente nas idas ao Alentejo e Algarve) já que não o poderia
deixar só, em casa.
Certo dia de maio- muito quente- ao regressar do Alentejo,
parei em Montemor-o- Novo para almoçar e tive a preocupação de deixar as quatro
janelas do carro um bocadinho abertas para que o ar circulasse e ele não
sofresse com o calor, tendo até colocado a gaiola por detrás do meu banco, um pouco
mais abrigada.
Quando voltei fui logo procurá-lo e, para meu desgosto, vi-o
caído no fundo da gaiola, já morto!
Recriminei-me, pois poderia ter pensado em o levar comigo,
até porque conhecia bem o dono do restaurante, que não me diria que não.
No caminho, parei um pouco, e fiz uma cova num terreno junto à berma da estrada, onde o
enterrei envolto num pano. Acreditem ou não, chorei a sua morte e ainda hoje,
quando lá passo, reparo no local onde o sepultei. Estive muitos anos sem
nenhum.
Num certo dia, mais tarde, fui a uma clínica em Lisboa e quando voltei
ao carro, ouvi muito perto, o canto de um passarito, sem me aperceber onde ele
estava.
Tinha uma mala bagageira sobre o tejadilho do carro, segura
por uma grade própria, e, quando reparo melhor, vejo-o entre a mala e o
tejadilho, cantando alegre da vida!
Sem que ele procurasse fugir, aproximei-me, agarrei-o e
tive-o na mão durante algum tempo a pensar o que deveria fazer.
Voltei a pô-lo no lugar onde o tinha apanhado e fiz um
pequenino vídeo com o telemóvel, pensando até quando é que ele se manteria ali.
Não fugiu, voltei a apanhá-lo e fui pô-lo no tronco de uma palmeira ali perto.
Lá se mantinha e tive que o afastar movendo os braços até
ele voar.
Foi motivo para me alegrar, creiam, dada a raríssima
situação vivida. Se o pudesse ter trazido!...Mas fiquei feliz por aquele momento.
No passado mês de setembro, quando passava no hall de
entrada desta casa, olhei para a sala e o que é que eu vi? Um canário a
passear-se muito em silêncio, vindo sabe-se lá de onde!
Voltei à velha tática da toalha e apanhei-o de imediato,
para grande satisfação minha.
Estava um dia horrível de chuva e ventania fortes! Julgo que
se não tem entrado na casa- provavelmente pela janela ligeiramente aberta por
descuido- dado o mau tempo que fazia, teria morrido.
Fugiu, certamente, de alguma gaiola e procurou abrigo da
tempestade na nossa casa, para nossa alegria e sorte dele, pois cá está feliz
da vida e muito bem tratado. É feliz quanto se pode ser numa gaiola, apesar de
ter um jardim privativo e uma piscina para onde todos os dias vai espairecer recolhendo
voluntariamente, o que nos deixou a princípio, admirados. Tem ainda a varanda, mas aqui, claro, na gaiola, que eu não
quero correr o risco de o perder...
Começou a cantar no dia 24 de
dezembro e cada vez mais afinado! Até ali, pensava que fosse “uma menina”, que,
dizem, não cantam. Dá concertos de manhã à noite, quando, então, o resguardo
com um pano sobre a gaiola, para que descanse melhor.
Ainda não teve oportunidade de viajar- o "kiko"- mas já falta pouco,
pois num destes dias vai até ao Algarve e Alentejo.
Desculpem este “testamento”!
Quinta da Piedade, 21 de abril de 2014
JGRBranquinho