terça-feira, 19 de agosto de 2014

NÃO É LENDA




  NÃO É LENDA

Não é lenda o que aqui vos vou contar. É uma história que alguém me contou com  pormenores esclarecedores e de sentido pedagógico, de que tive, inclusive, provas bem evidentes à cerca da sua veracidade.
O senhor António era marchante, governava-se relativamente bem, nunca se ouvindo queixar do seu negócio de gado.
Tendo êxito nessa atividade, juntou uns cobres e, estando à venda uma velha casa na aldeia onde residia, resolveu comprá-la.
O nosso homem- sobrando-lhe ainda dinheiro- resolveu arranjá-la, mas dado o mau estado da casa, logo lhe disseram que o melhor era deitar tudo abaixo.
 Disso se encarregou ele próprio, passando dias e dias nesse trabalho admirado por toda a gente, pela coragem e esforço que exigia. Ainda não era velho, mas era preciso muita força e cautela, até pela perigosidade que envolvia.
Dizia-se que era por não ter dinheiro ou, na melhor das hipóteses, para poupar.
O que é verdade é que o senhor António lá cumpriu essa morosa e arriscada tarefa, deitando por terra a velha habitação.
Esteve muito tempo assim. Ninguém sabia por quanto mais tempo.
Certo dia começaram as obras de reconstrução- agora pelas mãos de pedreiros- e volvidos poucos meses a casa ficou pronta a habitar.
Ele morava numa casa arrendada e mudou-se para a sua nova logo que foi possível.
NOTA:-Constava-se que ele se encarregou da primeira parte do trabalho (destruição da velha casa) por admitir haver- como era hábito dos mais antigos- a possibilidade de estar escondida nas paredes alguma panela de libras. Suspeita maior dada grande obra que ali mandou fazer. Dizia-se que tinha ido ao Porto- longe dali- para trocar as libras. Isso nunca se soube ao certo, mas havia essa suspeita.
Fosse como fosse, tinha conseguido transformar um quase casebre numa bela habitação- ao tempo uma das melhores do sítio.
O tempo foi passando e, volvidos anos, ficou viúvo e só, pois os dois filhos, entretanto casaram e cada um foi para a sua casa.
Com o decorrer dos anos começou a sentir-se muito só e esquecido pelos filhos, que raramente o visitavam.
Vivia triste e desanimado e lamentava-se por esse facto, com toda a razão.
Um certo dia- um vizinho e amigo que sabia o que se passava e tinha pena dele- resolveu falar-lhe e bater-lhe à porta. Assim o pensou, assim o fez.
- Quem é?- perguntou o senhor António.
- Ó vizinho António, sou eu, o seu amigo João. Abra, por favor.
-Lá vou, lá vou!...
Ao abrir, mandou entrar a seu amigo, agradecido por ainda ter alguém que o visitava.
Conversaram algum tempo e desculpou-se por não ter nada de jeito para lhe oferecer.
Então, a dada altura da conversa, e depois de mais queixas por os filhos não lhe darem apoio algum, diz-lhe o amigo João:
-Ó vizinho! Eu tenho uma ideia para ver se os seus filhos se lembram de si e lhe dão mais assistência.
- Então... diga lá, homem!
-Olhe! Eu conheço-o bem e sou seu amigo, como sabe.
-Sei, sim senhor! O amigo foi sempre dos fixes.
- Então, ouça:-Tenho algumas libras e vou emprestar-lhas!
-Ó amigo João, e porquê?!
-O amigo tem uma rasoira?  ( medida de madeira para medir cereais)
- Tenho, sim.
-Então, eu vou emprestar-lhe algumas libras e moedas e o amigo vai pedir mais uma vez aos seus filhos para o virem visitar, lamentando-se de estar muito só.
Quando eles lhe baterem à porta ou o amigo os vir aproximar, deixa a porta da rua aberta e mete-se no seu quarto, fechando a porta, começando, então, a contar as moedas com algum estrondo para a rasoira, para que eles ouçam bem.
Responde-lhes que já os vai receber e que esperem um pouco, continuando a contar o dinheiro.
Você vai ver que nunca mais lhe largam a porta!
-Ó amigo João, e isso não é muito arriscado?
- Descanse que é só um dia e eu estarei por perto.
- Eu não sei como lhe agradecer- amigo João! Se isso der resultado ainda nos vamos divertir e eu beneficiar do auxílio deles, assim espero.
Foi mesmo assim, tal como idealizou o João!
Dali em diante era vê-los a desfazerem-se em cuidados de roda do pai, na espetativa de um dia saberem onde ele guardava a "massa", até que um dia lhe perguntaram.
Mas- o pai bem avisado-  ia-lhes dizendo que estava bem segura e que não havia perigo. Que um dia ele lhes diria e que talvez já não faltasse muito tempo.
Assim foi, até ao dia da sua morte, sempre bem protegido pelos filhos gananciosos mas bem ludibriados, como mereciam.
Estamos sempre a aprender! Não preciso escrever mais.
Cada um de vós tirará facilmente as conclusões.

Quinta da Piedade, 19 de agosto de 2014
JGRBranquinho











Sem comentários:

Enviar um comentário