Ninguém
diria que naquele corpo frágil no aspeto, se escondia uma força gigante, uma
alma de aço, um coração de diamante! Olhava-se para ela e tinha-se a sensação
de debilidade, até de fraqueza física que até o mais experiente enganava.
Era magra-
verdadeiramente magra- e impressionava quem a encontrasse na rua, mesmo que de
passagem, num rápido olhar, sem que isso significasse menos respeito; talvez
uma reação de estranheza , um certo sentimento de pena por alguém com
aquela aparência de debilidade
Andava com
ligeireza, mas sempre algo triste, olhos no chão, segurando a pasta onde
guardava os livros e outros apetrechos escolares, e não comunicava, parecendo
nada ao seu redor lhe interessar.
Nunca a vi
parar numa montra, nem cumprimentar quem quer que fosse, como se caminhasse num
deserto inóspito, apressadamente a caminho do seu destino:- a Escola.
Eu não a
conhecia, embora o meio fosse pequeno, nem sabendo, também, se tinha vindo
estudar para ali, sendo de outra terra, o que também era natural.
Digo-vos que
era bonita, feições corretíssimas, alta, e usava ainda as célebres trancinhas
que balouçavam ao sabor do andar rápido que atento lhe observava quando a caminho da
mesma escola que eu frequentava.
Ora, num
certo dia, comecei a segui-la mais de perto e a procurar encorajar-me, de modo
a dirigir-lhe a palavra. Causava-me impressão aquela figurinha de jovem que não
via comunicar com ninguém. Aguçava-me a curiosidade e estava mesmo decidido a
falar-lhe.
A pretexto
da chuva que caía intensamente numa manhã de novembro (batida por vento forte,
naturalmente desagradável) aproximei-me mais e ofereci-lhe proteção sob o meu
guarda-chuva, já que ela o não levava.
Eu ia,
sinceramente receoso, mas, mesmo assim, lá ataquei!
- Ah! Obrigada!-
disse ela.
- Isto é que
ela bate forte!... (acrescentei tremente)
Eu era mesmo
muito tímido, confesso.
Pouco
falámos até chegarmos à Escola- que aliás ficava perto- despedimo-nos e ela
agradeceu.
Soube, no
entanto, que ela frequentava o 3.º ano, enquanto eu já andava no 4.º.
Foi uma
vitória para mim- creiam- o ter-lhe falado.
O problema
mantinha-se. No entanto, já tinha dado um passo de gigante ao dirigir-lhe a
palavra, prestando-lhe inclusive, um bom serviço, protegendo-a da chuva.
Qual foi a
minha ideia, desde logo? Esperar vê-la sair e voltar a “dar-lhe boleia” se a
sorte me protegesse, estando a chover de novo, o que viria mesmo a calhar...
Não contei a
ninguém, mas passei (sempre que tinha um intervalo) a vigiar a porta da Escola
na esperança de lhe poder ser útil de novo. Pudera!...
Houve um
desencontro! Éramos de anos diferentes e os horários não coincidiam!
- Fica para
amanhã!- disse para comigo mesmo.
A verdade é
que estava entusiasmado com ela, talvez mesmo apaixonado.
No dia
seguinte- sábado- havia apenas as atividades da Mocidade Portuguesa e eu nem
sabia bem como haveria de encontrá-la, dada a diversidade das práticas
desportivas e de recreio de cada um dos géneros, decorrendo, até, em locais
diferenciados como mandava a lei.
Passei o
fim- de- semana a magicar em mil e um processos de a encontrar, mas com algo
mais de convicção, já que tinha um pretexto para lhe dirigir a palavra, depois
da ”boleia” da sexta-feira anterior.
Chegou
a 2.ª feira e lá estava eu no Rossio da cidade, local por onde ela entrava na
rua de acesso à Escola.
Vi-a
aparecer! O dia estava bom e o pretexto da chuva não fazia sentido, tendo só
que o referir relativamente à anterior sexta-feira, para começo de conversa
que, na realidade, me parecia o mais fácil.
Um pouco a
medo lá me coloquei ao lado dela, cumprimentando-a.
Falámos da
manhã chuvosa de 6.ª feira e ela lá se foi dando para a conversa, sem se
esquecer de me agradecer uma vez mais.
Até à
Escola, consegui que ela sorrisse e me respondesse a algumas perguntas por
minha parte cautelosas…
Acabou o
trajeto e despedimo-nos. Cada qual foi para a sua aula- como era norma ao
tempo- e eu cada vez mais contente, ainda que algo inseguro.
Por sorte (vê-la
já era sorte) deu-se o caso de a ver sair da parte da manhã, mas eu- como
sempre- receoso, não fui ter com ela! Vejam bem o meu acanhamento!!!
Agora a
culpa estava toda do meu lado! Invetivei-me revoltado por esta atitude
medricas, e esperei pela tarde. Então…então é que era! Havia de lhe dirigir a
palavra, custasse o que custasse!
Mas, qual
quê! Desta vez ia acompanhada, ao que supus com uma pessoa de família, que já a
esperava à saída da Escola. Mais um contratempo!
Seria na
manhã seguinte, tinha que ser!
Estava com
mais sorte com as manhãs…
(Entretanto,
fiquei a saber por uma minha prima, que ela era das melhores alunas- se não a
melhor- e maior era agora a minha responsabilidade!)
Maior
responsabilidade depois de saber ainda de mais algumas das suas boas qualidades
como ajudar nas tarefas domésticas,
estando a fazer, desde muito nova, o seu próprio enxoval.
NOTA:
- Aquela
rapariguinha magra, para além dessas excelsas qualidades, estudava música em casa
de uma professora de piano, o que naquele tempo era moda e acrescentava valor.
Dias depois,
andando a encher-me de coragem, preparei uma cartinha com cuidado redobrado,
com um palavreado rebuscado, mais ou menos semelhante ao que se podia ver em
livros onde "se ensinava como pedir namoro"; havendo nas lojas,
também à venda, cartas próprias muito bem decoradas para nelas escrevermos"barbaridades"-
palavras caras de que mal sabíamos o significado- com as quais pretendíamos
seduzir as moçoilas.
Acabada a cartinha, entreguei-a à referida prima e fiquei a aguardar nervosa e impacientemente pela desejada resposta, que chegou favorável, mas só depois de consultar a mãe, como mais tarde vim a saber.
Era assim a praxe! Até os que mal sabiam escrever tinham que pedir namoro por carta (encarregando um amigo de a redigir) o que representava maior compromisso do que simplesmente 'pedir por boca', como soe dizer-se.
Namorámos durante quase três anos! Ela não parecia a mesma rapariga tímida e introvertida que eu descobrira um dia na cidade. Foi um tempo bom de nossas vidas que enquanto durou foi o melhor até àquela altura.
Acabada a cartinha, entreguei-a à referida prima e fiquei a aguardar nervosa e impacientemente pela desejada resposta, que chegou favorável, mas só depois de consultar a mãe, como mais tarde vim a saber.
Era assim a praxe! Até os que mal sabiam escrever tinham que pedir namoro por carta (encarregando um amigo de a redigir) o que representava maior compromisso do que simplesmente 'pedir por boca', como soe dizer-se.
Namorámos durante quase três anos! Ela não parecia a mesma rapariga tímida e introvertida que eu descobrira um dia na cidade. Foi um tempo bom de nossas vidas que enquanto durou foi o melhor até àquela altura.
Depois, surgiu o serviço militar durante dois
anos- longe dali e dividido por Lisboa, Évora e Coimbra- o que complicou a
minha boa relação com aquela rapariguinha magra e… quase tudo se esfumou!
O Destino?!
O acaso?!
Aconteceu,
como, aliás, terá acontecido em tantos e tantos casos!
Pode-se
dizer que é a vida com as suas incidências e as suas consequências.
Mas… a relação com aquela rapariguinha magra…
nunca será esquecida!
Quinta da Piedade, 5 de agosto de 2014.
JGRBranquinho
José
Branquinho 16:55Sem comentários: Enviar
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Gostei muito avô, interessante as voltas que a vida vai dando.
ResponderEliminarAss: João
Fiquei muito satisfeito por teres lido e feito o teu comentário de amizade.Quando escrevemos, gostamos que os outros leiam e nos comentem. O teu gesto agradou-me, naturalmente.
EliminarQuando tiveres um pouco de tempo e pachorra... agradeço.
Um abraço.
O avô.