EM CASA DE MEUS PAIS
Em cada de meus pais na aldeia de
Monte Carvalho- freguesia de Ribeira de Nisa- sempre tivemos animais
domésticos. Uns, naturalmente mais próximos- cão e gatos- outros ligeiramente
menos próximos como galinhas, porcos, cabras, ovelhas, burros, machos e mulas.
Todos, igualmente, beneficiavam de
bons tratos por parte dos meus pais e de mim próprio, posso afirmá-lo sem
rebuço.
Os meus pais tinham bem a noção da
utilidade de todos eles e, sem esforço, fui-me habituando a seguir os seus
métodos de muita amizade e respeito relativamente a esses nossos amigos.
Desfrutávamos da sua amizade,
utilidade e até companhia, pois com todos era nossa norma manter uma
agradável relação. Recebíamos, também, os seus carinhos para além dos
préstimos, como se calcula, sempre numa atitude de respeito e compreensão.
Perante os bons tratos- merecidos-
eles correspondiam inteiramente, sentindo nós os benefícios da sua pertença e
da alegria que era esse convívio, embora por vezes com alguns ralhetes naturais
e por isso também precisos no relacionamento.
Todos, no fundo, trabalhavam para
nós e tínhamos o dever de os recompensar. Eram- nos úteis e recebiam o
tratamento adequado às circunstâncias.
Alguns desgostos por diversas
razões- coisas da vida e de que facilmente se aperceberão, pois nada é eterno
e, mercê da tal "senhora" que vem sem avisar, ou por razões
comerciais, de vez em quando, lá sofríamos todos, a dura separação.
Claro que isso não impedia que
continuássemos a nossa vida, mas que causava algum mal-estar, causava.
Todos tinham nome e a madrinha era a
minha saudosa mãe. Por exemplo:- desde o gato (o caçador), passando pelas
galinhas, (as suas meninas) o cão (o Tejo)- meu especial amigo- até às
muares: machos e mulas- ("O Bonito" a "Boneca",
a "Branquinha" a "Montanha"), era uma alegria lidar com
eles, parecendo que nos compreendiam.
NOTA:- A propósito de nomes,
ocorreu-me agora que um primo meu- o Manuel- tinha um dálmata a que chamava,
simplesmente:- “cão”! Uma maneira também engraçada com aquela de alguém ter um
cão com o nome:- “Não se diz”. Vejam o que era quando as pessoas lhes
perguntavam o nome do cão, dando aso a sorrisos, pelo ineditismo.
Neste lidar, variadíssimos
episódios- como calculam- mas nenhum por menos reconhecimento da parte desses
nossos companheiros amigos.
Relembro dois deles que mais nos
marcaram:- a morte de um leitão que tinha ficado dum ninhada que vendemos e,
como era o mais pequenino, designado por ”caga no ninho”. Quando queria, saía
por uma fresta (agulheiro da pocilga)- situada a mais de 300 metros de
distância da nossa casa- e vinha comer as guloseimas que lhe deixávamos perto
da porta, pois estava habituado a vir atrás de minha mãe quando ela ia
levar-lhes a lavadura feita à base de batata cozida, couves, milho, bagaço e
farelo.
Havia uma horta com dois poços e um
tanque entre a nossa casa e a pocilga, e que dava também passagem para a nossa
rua. Numa certa noite, ao que averiguámos depois, o porquinho entrou na horta
e, na manhã seguinte, nada de aparecer!...
Corremos tudo ali à volta, e nada!
Até que eu o descobri dentro do tanque, afogado! Corri a casa a dar a triste
notícia e lá o tirámos da água, já morto, enterrando-o de imediato. Logo se
constou e não tardou que os ciganos nos viessem bater à porta para os deixarmos
desenterrar o nosso “ganhinho”, dizendo que era uma pena não se lhe aproveitar
a carne. Não consentimos e tivemos que andar de vigia...
O outro episódio, também triste, foi
quando, na mesma horta, a nossa gata- a “passarinheira”-
apareceu enforcada!
Começou por comer pintaínhos,
engulosou-se… e os meus pais prendiam-na durante uma parte do dia, isto é,
enquanto não se recolhiam as galinhas.
Como não lhes podia ter acesso, um
certo dia conseguiu roer o cordel, soltou-se e foi para a horta. Subiu para a
latada na tentativa de apanhar algum passarito e, ao saltar, ficou suspensa,
pendurada pelo bocado do cordel. Deve ter-se debatido para se libertar, e foi
assim a morte dela.
Não sei se o meu pai chorou, mas eu
e minha mãe chorámos a morte dos dois animais, quase como se fossem dois
familiares.
Já agora, para terminar e não serem
só desgraças, conto-vos um outro episódio igualmente na casa de meus pais-
melhor- na nossa casa.
Foi a oferta dum cachorrinho branco
e preto- logo batizado com o nome de “Tejo”- que a minha mãe comprou, por um
pão, a uma mulher que estava a vender uma
ninhada no mercado de Portalegre.
Eu era muito pequeno e nessa noite
levei-o para o meu quarto por consentimento de meus pais. Não contente com
isso, e como ele latisse, choroso pela falta da mãe e provavelmente por
estranhar a casa, resolvi metê-lo na cama e adormecemos os dois.
O pior foi quando acordei e dei pela
cama molhada!...Tudo se resolveu a bem, apesar da reprimenda, e o meu amiguinho
lá ficou como meu companheiro durante anos, mas… sem licença para dormir na
minha cama…
Fico-me por aqui. Deixei,
propositadamente, imensos episódios da minha vida de criança em casa de meus
pais, especialmente no que respeita ao relacionamento com os animais, para não me tornar mais enfadonho do que, possivelmente, estou a ser.
Se o fui, perdoem-me!
A lembrança do melhor tempo da
minha vida, ainda sem escola, levou-me a escrever este despretensioso texto.
Eu gostei de o recordar.
Não me levem a mal.
Quinta da Piedade, 21 de agosto de
2014
JGRBranquinho
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