sexta-feira, 25 de julho de 2014

NAQUELE TEMPO


   
NAQUELE  TEMPO

Naquele tempo (décadas de trinta...quarenta) na minha aldeia- Monte Carvalho, freguesia de Ribeira de Nisa, para além do trabalho agrícola, dos ofícios de carpinteiro e, principalmente, de canastreiro, por parte dos homens, havia ainda os almocreves- cerca de meia dezena. Eram eles que em suas carroças, puxadas por uma mula ou macho, levavam às terras do Alentejo- vilas e cidades- os produtos da terra, especialmente fruta.
Desde Portalegre ao Crato, Castelo de Vide, Alter do Chão, Nisa, Gavião, Ponte de Sor, Sousel, Estremoz, Borba, Elvas, Azaruja, Redondo, até Évora. A esta cidade, mais tarde, só já iam de camioneta de carga que entre si alugavam- dada a distância- muito especialmente na Feira de S. João, que durava cerca de cinco dias-talvez uma das maiores do Alentejo a par da de S. Mateus em Elvas.
Eram homens de trabalho verdadeiramente útil, mas muito duro, pois levavam dias e dias fora de casa, percorrendo estradas estreitas e mal cuidadas-"manhosas" como eles as apelidavam- e com pouquíssimas condições de conforto; dormindo, inclusive, nas próprias carroças e alimentando-se mal, muitas vezes debaixo de intempéries no inverno, ou "assando" sob o calor do Rei-Sol, no verão
Ao tempo, as comunicações através das estradas eram difíceis, limitando-se quase só ao recurso a carroças, e a trens ou charretes de luxo, puxadas por cavalos ou éguas, que constituíam conjuntos admiráveis de requintado gosto, pertença de algumas pessoas ricas- especialmente lavradores.
Como ia dizendo, os simpáticos almocreves (também chamados negociantes de fruta) levavam os produtos da minha terra, que na maior parte das vezes compravam:- batata, cebola, castanha, noz, avelã, etc.- aos vizinhos agricultores, ou então nas redondezas onde houvesse bons pomares de cereja, maçã e pera, principalmente.
Ao comprarem os pomares, os almocreves corriam o risco de uma tempestade destruir a fruta, tendo, ainda, que pagar a quem a colhesse- especialmente a  mulheres do lugar- que para isso também levavam em suas carrocinhas.
Era uma alegria, apesar de tudo, pois o irem de carroça para esses sítios, agradava-lhes muito, cantando  (até durante o trabalho) as cantigas que ao tempo estavam em moda e outras muito antigas que aprenderam por tradição oral, visto que havia "quem não soubesse uma letra", como vulgarmente se dizia e diz dos que não aprenderam a ler por nem sequer a escola terem frequentado.
A escolaridade obrigatória ainda não era uma prioridade, mormente para as meninas, cuja missão era outra à luz dos costumes da época e que os meus amigos conhecerão, provavelmente.
Sobre os almocreves ( também chamados negociantes de fruta) vou contar-vos esta história verdadeira:
-A vida deles era muito arriscada por vários motivos (já indiquei um, atrás) e muitas vezes- coitados- não vendendo a tempo os produtos, estes estragavam-se e lá se ia o dinheiro por água abaixo, como soe dizer-se. No entanto, nem sempre estava o diabo atrás da porta...
 Num certo dia, um deles- o Joaquim, depois de mais uma feira- chegou  a casa muito calado, não dando mostras de vir muito satisfeito, preparado como estava para fazer uma boa surpresa à mulher.
Alegou que vinha muito cansado- o que era perfeitamente natural naquele modo de vida-  e foi deitar-se, para poder descansar um pouco, como disse à mulher.
A mulher nem estranhou, pois como já vos disse, aquela vida era muito dura.
Volvidas poucas horas, o Joaquim perguntou à mulher se o jantar estava ainda demorado, ao que ela respondeu que estava mesmo a acabar.
Então ele, de dentro do quarto, diz-lhe:- Logo que esteja pronto, avisa-me, então.
A mulher, entretanto, posta a mesa, chamou-o.:-´Ó Joaquim, podes vir.
Ele entra na cozinha e diz-lhe que se esqueceu de apagar a luz do velhinho e tradicional candeeiro a petróleo, o que a mulher logo se prontificou a ir fazer.
A mulher,ao entrar no quarto, que viu?!
Nem queria acreditar, deu um grito de alegria, ficando pasmada a olhar para a cama.
Veio logo o nosso Joaquim e ambos se abraçaram, mirando a cama coberta de notas desde a mais pequena à de maior valor!
A feira tinha-lhe corrido muito bem e teve logo a ideia, de ao chegar, cobrir a cama com as notas conseguidas nas vendas, tal a alegria que transportava interiormente e que a ninguém revelava, por motivos óbvios, nem à própria mulher, para lhe poder fazer aquela belíssima surpresa.
No entanto, nem sempre a vida corria tão bem. Assim, muito justificadamente, esta alegria era ainda maior neste feliz dia, dadas as dificuldades com que lutavam, trabalhando embora muito, mas com reduzidas condições
." canastreiro":- o que fazia canastras ou cabazes de madeira de castanho.

NOTA:

-Deixo-vos mais esta crónica, que espero venham a ler sobre a vida no século passado (tempos já muitos antigos) no lugar onde nasci e que gosto de, recordando, dar a conhecer aos amigos de agora e relembrar aos do meu tempo.
Trata-se de uma breve resenha da vida nesse tempo, do muito que haveria a contar-vos e que, de vez em quando, irei mostrando à minha maneira.
Conto com a vossa boa aceitação, de que me poderão dar notícia se assim o entenderem.
Obrigado.
Quinta da Piedade, 25 de julho de 2014
JGRBranquinho

Sem comentários:

Enviar um comentário