O João era um jovem
estudante- bom aluno, algo ingénuo e muito alegre- e namorava uma colega- a
Margarida- que conheceu na Escola Secundária da cidade. Ambos muito novos,
apaixonaram-se a valer, sem terem em conta a sua pouca idade. Eu conheci-os
bem; eram meus colegas nessa mesma escola.
Com o decorrer do
namorico, acentuaram-se as dificuldades para ambos, pois os estudos começaram a
ficar um pouco para trás, tal o entusiasmo com que se relacionavam, faltando às
aulas mais do que era devido, contrariamente ao que até se conhecerem, lhes era
habitual. Os professores começando a notar o seu menor rendimento escolar,
avisaram os pais, e as coisas começaram a complicar-se, como é natural. Já toda
a Escola sabia, tão evidentes eram as suas escapadelas para os jardins e a sua
exposição, algo provocatória, perante as pessoas da terra. Foram chamados à
direção da Escola, tal a proporção que as coisas estavam a tomar. Fizeram-lhes
prometer mais ponderação no namoro e uma maior assiduidade às aulas, na
esperança de que eles aceitassem, visto estarem a por em causa o seu presente e
futuro. Mas quem é que manda no coração?! Os períodos sucederam-se e, como
ambos se atrasaram bastante, chegou o final do ano e “chumbaram”, para arrelia
e desgosto dos pais, que não conseguiram, também, levar por diante os seus
melhores esforços.
Estavam ambos com
quinze anos e, chegadas as férias em julho, o pai do João foi falar com um
amigo, que tinha uma loja de tecidos, pedindo-lhe que empregasse o filho até à
abertura das aulas, na esperança de que as coisas até lá melhorassem, estando
ele empregado e sem tanto tempo disponível para o amor.
Assim foi e,
terminado o período de férias, o nosso João negou-se a voltar às aulas! Queria
trabalhar! Já ganhava uns tostões (que os pais lhe iam dando como parte do seu
vencimento na loja) e isso atraía-o. Estava satisfeito por deixar a chatice dos
estudos, como dizia aos amigos. Não iria mais estudar! Estava decidido!
Durante dias travou
uma guerra difícil com os pais que, embora contrariados, acederam.
Quanto à nossa
Margarida, ia continuar a estudar. Era uma tentativa no sentido de os afastar
um pouco mais, e, quem sabe, talvez até desfazerem o namorico, admitindo que a
ligação afetuosa fosse apenas uma simples paixoneta; que um deles ou ambos,
desistissem, talvez até por virem a encontrar alguém por quem se voltassem a
apaixonar. Aquela primeira aventura tinha sido por demais atrevida, causando
tantos dissabores.
Mas, qual quê! Embora
menos exposto, continuaram o namoro um tanto às escondidas durante a semana e,
apenas autorizado aos fins de semana, saindo com os pais dela, ou apenas com a
mãe, não fosse o diabo tecê-las.
O tempo foi
decorrendo na sua marcha normal e a Margarida lá completou o seu curso.
Volvidos meses,
conseguiu um emprego, primeiro na Junta de Freguesia e, depois, na própria
Câmara Municipal.
Entretanto, o João
estava cada vez mais seguro no seu emprego, desempenhando, a contento do
patrão, a sua tarefa de vendedor ao balcão do estabelecimento- talvez o melhor
da cidade- onde se sentia como peixe na água, tal a vocação que denotava ter
para aquele serviço ao cliente e, simultaneamente, ao patrão.
Estavam agora com
dezanove anos! Namoravam à janela às quartas-feiras e domingos como era
habitual na altura. Estavam mais assentes, mais conscientes; já pensavam no
casamento e os próprios pais o admitiam como provável, dentro de pouco tempo.
Assim foi e chegou,
então, o dia da boda para felicidade de todos. Convidaram os amigos e lá fui
eu, como amigo e colega de estudo, desempenhar com agrado o papel de padrinho
do João.
Uma nota:
Uns meses antes,
tendo os pais da Margarida uma pequena e velha casa na cidade, resolveram, de
acordo com os futuros compadres, dar-lhes um arranjo para que ao casarem já
tivessem o ninho feito; tudo já falado e acertado entre todos, incluindo,
claro, os próprios nubentes que assim viam uma parte tão importante das suas
vidas, já resolvida.
Refletindo hoje sobre
esta pequena história, direi que assim se provou, mais uma vez, quanto pode o
amor quando realmente existe entre dois seres. Este começou bem cedo, a tudo resistiu, saindo vitorioso.
“Nem todos podem ser
doutores”, “cada um é para o que está destinado”, como se costuma dizer- e cada
um dentro das suas possibilidades (talvez por obra do Destino, sabe-se lá) há
de vir a desempenhar a sua missão, dentro deste espírito de participação
coletiva a bem duma sociedade que tem que ser plural e onde todos são
imprescindíveis.
Quinta da Piedade, 19
de fevereiro de 2015
JGRBranquinho - “Zé
do Monte”
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